Estar por dentro de algo histórico e mítico, é uma sensação que nos transporta para o resto das nossas vidas.
Foi o que me aconteceu a 24 de Setembro ao entrar no Estádio Panatináico, em Atenas, e decerto que não foi por ser o único estádio do mundo em mármore, mas sim por todo o passado e simbolismo inerente ao nosso desporto de eleição.
O bilhete de entrada
Já lá tinha estado em 2008, então apenas à porta, pois encontrava-se fechado ao público nesse dia.
Agora, em virtude de duas semanas que tive que passar na Grécia em trabalho, tive a felicidade de no sábado encontrá-lo aberto.
Por 3 euros entramos num mundo fantástico de milhares de anos. Essa visita é ajudada por um dispositivo semelhante a um telemóvel, onde em cada lugar marcamos o número que está exposto (entre 2 e 12) e ouvimos uma informação detalhada sobre o mesmo, seleccionando-se a língua pretendida e onde o português não falta.
O esquema do estádio
Mas afinal o que tem de especial este estádio?
Localizado no coração de Atenas, está edificado e com traça semelhante ao anterior que durante séculos serviu para os agora intitulados Jogos Olímpicos da Antiguidade, além de outras manifestações atléticas. Esses jogos realizavam-se de 4 em 4 anos, sempre em Junho e celebravam a panateia, festa em honra da deusa Atena.
Os atletas, exclusivamente homens, competiam nus pela sua glória e dos seus xistarcas (treinadores) e a multidão enchia o estádio neste local idílico cuja construção acompanha os dois montes que o circundam, propositadamente cavados para lhe servirem de berço, com o rio Ilissos a seus pés.
Na hora do triunfo, honrava-se Nike, a deusa da vitória.
A pista foi construída com duas rectas de 185 metros cada, com curvas de 15 metros em cada extremidade. Daí os 400 metros por volta como tão bem conhecemos.
A razão de cada recta ter 185 metros deve-se ao facto de pretenderem que cada uma fosse um estádio. Estádio era uma medida romana de comprimento e valia 625 pés romanos, o equivalente a 185 metros.
Como era composto por duas rectas, de um estádio cada, deu-se a este complexo o nome de estádio, facto que voou até aos dias actuais e pegando o termo nos complexos desportivos ao ar livre.
Os atenienses sempre tiveram um enorme orgulho no seu estádio, único no mundo, o que o fez sobreviver a vários séculos até à chegada da igreja e da proibição de qualquer actividade pagã, ficando sem qualquer uso, degradando-se pelo tempo e pela destruição das pessoas que levavam o mármore para as suas casas.
Terminou assim a primeira vida deste estádio onde nasceu o Atletismo.
A entrada para o túnel que conduz os atletas às cabines
E o respectivo túnel
Em 1894 em Paris, o barão Pierre de Coubertin logrou, após anteriores tentativas falhadas, a criação dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. Sendo o presidente da conferência o grego Demetrios Vikelas, não foi difícil convencer os restantes para os primeiros jogos serem realizados em Atenas.
O ano apontado foi 1896 e o estádio deveria ser onde tudo nasceu, o Estádio Panatináico.
Georgios Averoff foi o responsável deste trabalho hercúleo, mantendo quanto possível a traça original.
As cadeiras/tronos reais
Na curva que acompanha a bancada, a presença de duas estátuas
Os Jogos foram um sucesso retumbante e foi nesse local e altura que foi tocado aquele que ficaria como o Hino Olímpico, composto por Spyros Samaras e letra de Costis Palamas.
O momento alto foi a reconstituição duma corrida que simbolizou a lenda de Fidipides e a sua corrida entre Maratona e Atenas. Foi-lhe dada o nome da cidade origem, Maratona.
O público presente entrou em plena euforia quando viu chegar o primeiro classificado, um simples pastor de origem grega, de seu nome Louis Spiridon.
Nascia a mítica corrida que 12 anos após teria a sua distância fixada em 42.195 metros.
Estátuas essas onde apenas sobressaem a cabeça e órgão sexual
O estádio, com uma capacidade para 68.000 espectadores, com dois anéis separados à 24ª fila, assistiu a nova chegada olímpica em 2004 com a vitória do italiano Stefano Baldini nos homens e a japonesa Mizuki Noguchi, 22 anos após a primeira Maratona oficial feminina em competições internacionais, com o seu final aqui mesmo, para o Campeonato Europeu.
Essa Maratona foi realizada a 12 de Setembro de 1982 e quem teve a honra de ser a vencedora da primeira maratona oficial feminina em competições internacionais, foi uma jovem franzina chamada... Rosa Mota.
Portugal só tinha até então, 5 medalhas, todas masculinas. Esta foi a primeira feminina e logo de ouro.
Passou com um atraso de cerca de um minuto aos 10 kms. Aos 15 ultrapassou o segundo pelotão que não reagiu. Aos 20 já se encontrava no grupo da frente. Aos 30 o pelotão líder estava reduzido à nossa Rosinha, à temível Ingrid Kristiansen e Laura Fogli. Aí, acreditou numa medalha. Viu Kristiansen tentar um ataque que não resultou e lançou de imediato um contra-ataque e isolou-se. Tinha medo do sprint final das poderosas adversárias mas entrou no estádio com 100 metros de avanço.
Foi o seu primeiro momento de glória, ela que ano e meio antes tinha sido dada como condenada no Atletismo por asma de esforço!
Recordo-me perfeitamente de assistir ao vivo a esse feito. Nunca perdia uma competição internacional de Atletismo, não imaginando que muitos anos depois iria também participar em provas e muito menos que daria uma volta a correr a esta pista, pois não perdi a hipótese de, mesmo calçado e vestido "à civil", percorrer estes 400 metros.
Ouvindo e respirando os sons e momentos da história!
Preparado para partir
Aí vou eu
E chega assim ao final uma volta numa pista de milhares de anos
E não digam que nunca estive no lugar mais alto dum pódio!...
Mensagem no livro de visitas
Nem tenho palavras para descrever o que acabei de ver e ler, espero que pelo menos tenhas registado e assinado como "4 ao Km" nesse livro de visitas.
ResponderExcluirQue maravilha João! e que sorte, ires assim em trabalho até Atenas. E excelente (como já nos habituaste) apresentação histórica.
ResponderExcluirQuase que arrepia (ou arrepia mesmo?!) dar uma volta a esse estádio...
Um dia, ainda o hei-de visitar... e correr lá (sonhos)
Agora vou ver as fotos
Beijinho e bom domingo (na Água?) ou seja lá onde for
Ana Pereira
Sem palavras!
ResponderExcluir(5:51 Am a caminho da corrida da Água!)
Jorge Branco
Belo documento histórico, João!
ResponderExcluirE entrar ali deve causar uma impressão mesmo única!
Óh pá até me emocionei, estou mesmo a lacrimejar, a sério!...
ResponderExcluirTantos nomes conhecidos e eu sem fazer a mais pequena ideia de onde vinham; Nike, xistarca, maratona, estádio, etc. Isso é que foi trabalho de pesquisa...
Parabéns pela magnifica reportagem e pelo privilégio de experimentar esse estádio...
bj Eugénia
Espectacular artigo João.
ResponderExcluirE escrito faz hoje exactamente 1 ano! Interessante que me tenha falado deste artigo ontem e eu lê-lo hoje, 1 ano depois.
Bjs