terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Spiridon 200 - Depoimento de Manfred Stefny


A primeira vez que vi o meu amigo Mário Machado, foi numa reunião que maratonistas de vários países fizeram, em Salvan na Suiça, em Março de 1976, na casa de Noel Tamini. 
A ideia era fazer algo na Europa para que qualquer corredor, de qualquer nível, pudesse correr sem que para isso fosse obrigado a ter mínimos que nessa época eram estipulados por todas as Federações de Atletismo. A ideia era fazer um movimento livre para que novos e velhos, homens e mulheres, campeões e “lentos” pudessem praticar a corrida sem quaisquer regulamentos impostos por dirigentes, cuja maioria nunca tinha corrido na vida.

Foi aí que nasceu o Movimento Spiridon Internacional que mais tarde havia de dar lugar à revista em língua francesa (responsável o suíço Noel Tamini), uma outra um ano mais tarde em alemão (da minha responsabilidade) e dois anos depois uma edição em português “ingenuamente” criada por Mário Machado.

Lembro-me do Mário nessa reunião, estava sentado ao meu lado esquerdo. Falou pouco, muito pouco mesmo. Éramos 23 de 7 países. O Mário falou muito pouco, mas lembro-me que disse uma coisa que ficou gravada na mente de todos com uma força tal que, de certa maneira, nos obrigou a ir em frente:
 “Espero que avancemos com tudo, pois se esta foi uma reunião de “brincadeira”, então era bem melhor termos estado a correr estas duas horas em que aqui estivemos sentados… “
Pronto! Esta frase foi o rastilho e cada um, como pôde nas suas regiões, tratou de fazer com que, em pequenos passos, em pequenos e grandes avanços, a corrida fosse algo mesmo disponível para todos.

Vem-me à memória outra imagem, esta de 1978. Mário tinha conseguido uma bolsa do governo português para ficar um mês no Centro de Treino e Clinica do Dr. Van Aaken, na Alemanha, em Waldniel. Ele não sabia falar alemão. Então, a troca de ensinamentos processava-se assim: O Dr. Van Aaken, explicava algo sobre o seu Método de Treino, ou sobre as suas teorias do esforço físico. A Dra. Joan Ullyot (conceituada fisilogista norte-americana que também estava com uma bolsa de estudo para o seu doutoramento) traduzia do alemão para o inglês e o Mário tirava apontamentos. O problema é que estes seus apontamentos eram compilados ao longo de todo o dia e a pobre Joan, no final de cada dia já não podia ouvir falar de treinos, esquemas, métodos e por isso dizia ao van Aaken, em alemão para o Mário não compreender: “Não diga mais nada senão o português quer saber mais e mais e mais…”

Sim a imagem que sempre tive do Mário era que estávamos perante uma pessoa que tinha ganas em levar todos os ensinamentos para os outros portugueses e o próprio van Aaken dizia-me: “Mário se fosse alemão acabava por ser o maior difusor do meu Método de Treino!”

A Revista Spiridon, com toda a idade que tem e estes suas 200 edições, é a prova de que a aposta que fez de conseguir que a corrida fosse algo ao dispor do maior número de portugueses se concretizou. Ele bem tinha razão naquela primeira reunião: Se é para não fazer nada mais valia estarmos a correr…

Manfred Stefny
(Fundador e responsável da Revista Spiridon Alemã)

Não deixe de ler o depoimento do professor Mário Machado, publicado hoje no Último Km

2 comentários:

  1. Depoimento interessantíssimo que explica a origem do Movimento Spiridon Internacional.
    Hoje tudo parece fácil e provas abertas a todos uma coisa perfeitamente natural mas foi a aposta, ganha, desses 23 maratonista reunidos na Suíça nesse já distante ano de 1976 que permitiu a corrida para todos ser o que é nos dias de hoje.
    Para trás ficou muito trabalho desenvolvido, muita luta, muita perseverança e muitos sacrifícios, de toda a ordem, para levar a tarefa a bom porto.
    Não posso deixar de sentir uma pontinha de orgulho ao pensar que acompanho desde o inicio da década de 80 até aos dias de hoje o desenvolvimento da corrida para todos em Portugal e que vivi pessoalmente o seu crescimento e a sua historia.
    Estes são depoimentos muito importantes para todos os recém chegados a esto mundo da corrida terem a noção de como tudo começou.
    Não posso deixar de expressar aqui um forte, sentido e comovido abraço a todos os pioneiros do Movimento Spiridon Internacional e lembrar, com saudade, os que já não correndo ao nosso lado fazem para sempre parte da nossa memória e connosco correm sempre em pensamento.
    OBRIGADO.

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  2. Ao ler, em paralelo, os depoimentos destes dois homens, dos maiores responsáveis pelo fenómeno da Corrida para Todos, pelo menos deste lado do Atlântico, só nos vem confirmar a justeza da grande admiração que temos por eles. Afinal o Desporto de Massas deveria ser mais uma componente de uma sociedade que tivesse as condições de vida colectivas do Homem, sempre como objectivo principal. E infelizmente as outras são incipientes nesta sociedade (global com que fim?) em que vivemos, ou estão em declínio, para mal de todos nós...

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