Atlanta, 2 de Agosto de 1996, 21.30 locais, 2.30 horas portuguesas. Final olímpica dos 10.000 metros femininos. 31 minutos depois, a explosão, com um dos mais épicos finais.
Foi há 15 anos atrás e quem viu, nunca esquecerá! Aliás, sabe exactamente onde esteve e como reagiu, marcante que foi este momento. E muito vizinho terá sido acordado pelo entusiasmo dos resistentes, como eu, que não queriam perder a final da Fernanda em directo.
E não era fácil, nunca o é, para mais tendo a presença da recordista mundial, a chinesa Wang Junxia, que nunca tinha perdido qualquer corrida da dupla légua.
O seu record mundial foi alcançado a 8 de Setembro de 1993 em Pequim, com a marca de 29.31,78 no que será o mais duvidoso record da história do Atletismo, fruto de intrigantes experiências, com que sabe-se lá diferentes tipos de "substâncias", produzidas pelo seu treinador Ma Junren, que mais tarde seria banido por acontecimentos semelhantes já no 3º milénio.
O que é certo, é que esse record ficou até aos dias de hoje e não se prevê quando possa ser batido.
Mas regressando ao motivo deste artigo, a nossa Fernanda, então com 27 anos, estava em plena forma e uma vontade férrea.
Para trás tinham ficado para a história vários grandes desempenhos desta atleta que se iniciou no Atletismo bem cedo. Em 1980, com apenas 11 anos (!) inscreveu-se na Meia-Maratona da Nazaré como senior, tendo-a completado em, imagine-se, 1.24.02, sendo a 2ª feminina, apenas atrás da vencedora, Rosa Mota, que lhe ganhou por escassos 4 segundos! E como foi? Acompanhou os seus colegas de clube, Kolossal, correndo sem qualquer tipo de preocupação e, quando deu por ela, tinha sido 2ª tão perto duma atleta como Rosa Mota já era.
Com 14 anos foi ao seu primeiro Europeu, com 18 anos era campeã europeia e a sua ascensão foi de vento em popa até aos seniores onde, inicialmente, as coisas não correram como esperava. De tal maneira que após os Jogos Olímpicos de 1992 em Barcelona, chegou a ponderar abandonar o Atletismo.
Esse foi, no entanto, o detonar para a explosão de sucessos que se seguiram pois deu-lhe a garra necessária para reagir e dar a volta ao seu momento, bem ajudada pelo seu novo técnico, João Campos.
E chegámos à final olímpica de sonho. Além da já citada Wang Junxia, grandes outros nomes como Tegla Loroupe (recordista de vitórias na Meia-Maratona da Ponte 25 de Abril, 6 vezes), Derartu Tulu e Gete Wami, entre outras.
Começa a prova e, como tantas vezes acontece em finais com esta importância, o ritmo não foi forte de início, levando a que Fernanda e a espanhola Julia Vaquero fossem para a frente marcar o ritmo.
A frente do pelotão foi perdendo unidades, até que aos 9.400 metros, Wang lança um forte ataque que apenas Fernanda acompanha.
Aos 9.700 metros, novo ataque de Wang, deixando Fernanda para trás, dando a entender que as medalhas de ouro e prata estavam entregues.
Aos 9.800 metros, parecendo que Fernanda se tinha reaproximado muito lentamente, as dúvidas caiam definitivamente (?) por terra, Wang lança 3º ataque e ganha mais avanço.
Apenas uma pessoa continuou a acreditar. Sabia que a prata já era sua mas... o ouro estava ali à frente...
E eis que a meio da curva entre os 9.800 e 9.900, Fernanda recupera terreno, entrando para os últimos 100 metros a crescer sobre a chinesa.
O sprint é vigoroso. Wang já vai a acusar o cansaço enquanto Fernanda tem a motivação extra de se estar a aproximar.
E num final incrível, Fernanda ultrapassa Wang a cerca de 30 metros do final. A chinesa faz um esgar de dor, ao não ter força para mais, e Fernanda corta a meta, entrando para a lenda.
3.01.63, record olímpico, melhor marca do ano e 7ª de sempre. 3ª medalha de ouro para Portugal (todas, como a futura 4ª, alcançadas no Atletismo). Mas tudo isto são números que não expressam a emoção daquela noite.
Faz hoje 15 anos... e quem viu, nunca esquecerá!
Para recordar estes momentos, veja os videos:
1ª parte - Resumo da corrida com os últimos 600 metros integrais e várias repetições do sprint final
Caro João Lima,
ResponderExcluirNão posso concordar mais com o que escreveu. Épico é a palavra que melhor traduz o acontecimento e, de facto, vi e não vou esquecer. Só posso sublimar mais ainda a grandiosidade do feito.
Quem viveu o atletismo na altura, sabia do poderio das atletas chinesas. Eram seres míticos: a carne de cão, o sangue de tartaruga e as maratonas diárias… O seu treinador, Ma Junren, era apelidado de mago.
Mais objectivamente, elas dinamitaram o meio fundo. Bateram os recordes dos 1500m aos 10000m (na altura, os 3000m ainda eram a distância padrão). Recordes que já vão a caminho dos 20 anos! A Wang era o expoente máximo do grupo. Tinha melhores marcas que a Fernanda em todas as distâncias. Era (e é) a recordista mundial da distância em questão e nesse recorde fez uma passagem aos 5000m que seria recorde também.
Era certo que a Fernanda estava num momento formidável. Eu acreditava que ela era capaz de bater todas… as outras, porque havia a Wang. A favor da Fernanda só havia o facto de a Wang, na final, estar a correr a 4ª prova em 8 dias. Mas, em face das proezas das atletas chinesas, não era, na minha opinião, matéria suficiente para retirar o favoritismo à Wang. Era uma final e a Wang tinha mais ponta final que a Fernanda.
Dá-se o tiro de partida e a Fernanda lá vai fazendo as despesas da corrida, ajudada aqui e ali pela Julia Vaquero (bem haja). A Wang na expectativa. Tudo corria a seu favor. Eu queria tanto que a Fernanda fosse Campeã Olímpica. Angústia. Quase meia hora de angústia. Eis que a volta e meia do fim a Wang faz o seu movimento. A Fernanda acompanha-a. Aumenta a angústia. A 300m do fim a Wang volta a carga e a Fernanda fica-se. Acabou, pensei, oxalá a Fernanda não se vá abaixo e consiga manter o 2º lugar. A minha adrenalina começa-se a esvair. A 200m da meta a Fernanda esboça um contra-ataque e a adrenalina começa a subir, e aproxima-se, e a adrenalina continua a subir. Cada vez mais próxima, da Wang… e da meta. Quando ela chegar perto, a Wang vai dar uma “sapatada” e acaba-se a conversa. Já chegou, a Wang não reagiu. Já passou, a Wang não reagiu. Adrenalina? Já nem sei! É campeã! É campeã! Loucura…
Foi há 15 anos, mas lembro-me como se fosse hoje. Um momento que vale uma vida. A mais bela medalha do desporto português. Que me perdoem os outros, mas, caramba, a Fernanda derrotou um mito. A maneira como ela controla a posição da Wang através dos ecrãs dos estádio, mesmo em cima da meta, mesmo na última gota, diz que o momento era da Fernanda. E ela sabia-o e agarrou-o com as duas mãos, melhor, com as duas pernas. São estes os heróis que fazem a história.
Contudo, este feito épico nunca teve o merecido destaque. Os americanos, anfitriões desses Jogos, apesar de a volta final ser digna dos melhores filmes do género, nunca lhe eram a devida divulgação. Já havia revirado, por duas vezes, o You Tube à procura do momento e nada. Ao colocar os vídeos no You Tube, o Sr. João Lima fez justiça. Porque ela tarda, mas não falha. Aí estão eles, para todos verem e alguns inspirarem-se. “It ain’t over ‘till it’s over”. Um grande bem-haja Sr. João Lima. Muito e muito, mas mesmo muito, muito, muito obrigado.
Rui Neves