quinta-feira, 11 de agosto de 2011

12 Horas de Vila Real de Santo António - História da "mãe" das ultras em Portugal - 2ª parte

Chegamos à 2ª edição das 12 Horas de Vila Real de Santo António, aquela que maior participação teria no conjunto dos seus quatro eventos.
Estamos em 1987, computadores apenas os de grande porte em firmas, os pessoais eram apenas uma miragem, e telemóvel era uma palavra que ainda não constava no dicionário.
De Março na 1ª edição, passou-se a meio de Abril, 18. 25 atletas iriam ser classificados, praticamente dobrando os 13 da edição inaugural. Mas o que se manteve foi o nome do vencedor, António Matias que superou em 4.580 metros a vitória de 1986, passando o record da prova (e nacional) para 126.565 metros, um número impressionante de realizar em 12 horas consecutivas!
Tal como no ano passado, foram 6 os atletas que quebraram a barreira dos 100 quilómetros, sendo que o 2º, Rodolfo Martins, repetiu a façanha da 1ª edição, aumentando agora 5.045 metros, fazendo assim 117.050, e passando de 4º para 2º.
Os restantes 4 foram estreantes. José Meira completou o pódio com 104.600, apesar dos seus já 52 anos, seguido por Francisco Cruz 102.125, Jorge Branco (cuja corrida será desenvolvida à frente) 101.650 e na 6ª posição a vencedora feminina, melhorando o record feminino de 1986 em 27.575 metros, uma brasileira recém chegada a Portugal e cujo nome desde há muitos anos é sinónimo duma grande atleta e pessoa, muito querida e respeitada por todos os atletas, Analice Silva.
Perto dos 100, ficou o bem conhecido António Belo, 96.655, tendo acompanhado de perto durante as primeiras 8 horas os 2 primeiros classificados para depois ter quebrado o ritmo, enquanto a vencedora feminina da 1ª edição, Ana Camarada, melhorou de 73.325 para 74.155. O seu marido, João Camarada, não quis deixar de estar presente, apesar de lesionado, e ainda realizou 39.550 metros.

Cada atleta tem o seu momento de glória, digamos, a sua medalha de ouro. Cada um tem um momento em que se sente a entrar em pleno estádio olímpico. Momentos especiais que ficam a marcar e perfumar o resto da vida.
Foi o que aconteceu com Jorge Branco e esta sua participação coroada de sucesso.
Há aqueles que nascem para a corrida e, naturalmente, conseguem logo atingir um elevado nível de performance. E há quem tenha que transformar as suas fraquezas em força, chegando a um nível semelhante dos primeiros com muito treino e força de vontade, muito treino e força de vontade e (por que não dizê-lo?) muito treino e força de vontade.
Tal como vinha referido na Revista Spiridon, Jorge era frágil do ponto de vista músculo-tendinoso, mas com uma grande dose de coração, entregou-se a este objectivo que viria a marcar a sua carreira, com treinos específicos onde corria mais devagar (cerca de 6.30/Km), entre hora e 15 e hora e 45, com treino longo de 2 horas ao fim-de-semana, 3 horas de 15 em 15 dias, treinando 6 vezes por semana. Como teste para a prova, correu 4 horas.
(Na foto em cima, podemos ver documentado o treino dessas 4 horas, quando passava junto à antiga Doca Pesca em Algés, e na fotografia inicial a sua camisola de prova)
Teve conselhos técnicos do professor Mário Machado e do vencedor da prova, António Matias, pela sua experiência de 1986, e apenas não se estreou na edição inaugural por lesão. Fê-lo nesta e a sua maior dificuldade foi o ritmo de 7 e picos, ele que chegou a fazer uma Maratona à média de 4.30 por quilómetro (3.10,27)
O segredo da sua prestação foi ter partido devagar mas mantendo sempre uma grande regularidade, começando a ultrapassar outros atletas à medida que iam quebrando.
Claro que chegou uma altura que as pernas começaram mesmo a doer, em especial após as suas paragens nos reabastecimentos, mas Jorge soube aguentar-se e até fez algo no final que não será o melhor para uma prova deste calibre mas justificável pelo entusiasmo, sprintou nos metros finais.

António Belo é massajado por volta das 8 horas de prova; Jorge Branco reabastece no final da 1ª volta (foto Revista Spiridon)

E por falar em abastecimentos, curiosa a história do seu tio, Egas Branco, que participou na missão de prestar ajuda logística ao Jorge mas ainda acabou por percorrer 60.575 metros, classificando-se na 18ª posição e depois de ter almoçado um bitoque! O seu carro no final, mais parecia uma lixeira, pelo apoio que prestou a estes 2 atletas.
Durante a corrida, Jorge alimentou-se de bananas, quartos de marmelada, bolo de mel, bolachas de arroz, barras energéticas (na altura uma novidade em Portugal, vendidas pela Revista Spiridon), além de litros e litros de água, nos abastecimentos oficiais de Vila Real e Monte Gordo.
Na primeira volta comeu demais e apanhou a famosa dor de burro, depois aprendeu a ir petiscando conforme a fome. Apenas uma única vez se sentou, e por breves minutos, numa cadeira de praia da equipa da IBM (que ainda hoje recorda como uma poltrona que lhe transmitiu um prazer indescritível!).
Mas o seu segredo talvez tenha sido, aquando do momento mais delicado da prova, ter atacado uma mousse de chocolate que a sua mãe lhe tinha preparado, para espanto de quem estava por perto!
Este foi um truque psicológico que António Matias lhe tinha aconselhado, comer algo que lhe desse prazer, que no caso do vencedor da prova foi uma salada de frutas.
O conceito de correr de trás para a frente, aplicou-se por completo nesta sua prova, pois ao final da manhã ainda era o último, para depois concluir num fantástico 5º lugar, que lhe valeu uma enorme e merecida ovação na entrega de prémios!
No dia seguinte, marcas desta aventura foram em forma de queimadura no pescoço, em virtude do dia anormalmente quente.

A classificação completa desta edição, pode ser consultada aqui

No final desta prova de sucesso, os organizadores tinham esperança de chegar aos 40 atletas em 1988. Mas essa e a edição final, são o motivo da 3ª e última parte, a publicar amanhã.

8 comentários:

  1. É sempre muito agradável recordar aquelas que foram, sem sombra de dúvida, as doze horas mais magicas da minha vida!
    Mas todos os participantes em qualquer das edições da daquela grande aventura têm memorias muito interessantes para contar.
    Por questões logísticas, e de amizade, o João Lima socorreu-se das minhas memórias e não quero deixar de lhe agradecer a simpatia com que refere a minha prestação naquela prova.
    Penso que exagerou um pouco nas referências que me fez mas amizade é a causadora disso!
    Peso desculpe o alongar deste comentário mas não quero deixar de agradecer aqui a todos os amigos que me ajudaram a fazer as Doze horas de Vila Real de Santo António.
    Sem eles nada daquilo teria sido possível. Um ultra maratonista nunca corre sozinho!
    Felizmente são amizades que tem perdurado ao longo de todos estes anos, se tem fortalecido, e chegaram aos dias de hoje bem vivas!
    De tudo o que vivi na corrida o mais importante foram os amigos que fiz.
    Não vejam o correr doze horas como um feito sobre-humano apenas acessível a atletas muito dotados. A minha prestação naquela prova vem desmistificar as dificuldades da ultra maratona e provar que até um modesto corredor de pelotão consegue fazer uma aventura daquelas.
    Um abraço a todos, corram, sejam felizes e lutem pela felicidade do vosso semelhante!

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  2. Amigo Jorge

    Foi exactamente por querer demonstrar que um feito desta natureza não está apenas ao alcance dos super-dotados que quis realçar bem esse teu feito que, não considero esteja exagerado. É que o que fizeste foi, para mim, dum verdadeiro herói!

    Um grande abraço

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  3. Amigo João,
    Mais uma interessante incursão pelo passado das provas de Corrida a Pé no nosso País, o que sempre muito nos apraz.
    Quanto à referência pessoal, que agradeço, de mais um episódio pelo menos curioso em que participámos, devo dizer que se tivesse tido o objectivo inicial de concluir as 12 HORAS nunca me teria atrevido a interromper a prova para almoçar (e ainda por cima com um suculento bitoque, embora sem acompanhamento de álcool...). Foram afinal as circunstâncias que me levaram a fazer mais quase três dezenas de quilómetros ao fim da tarde (a prova terminava salvo erro às 20.00). Sentia-me bem, apesar do esforço matinal de quase uma maratona (o belo bitoque ajudou...), a temperatura era elevada mas suportável e resolvi arriscar e em boa hora o fiz!
    Tenho muita pena de não ter repetido a experiência nas duas edições seguintes, onde não pude estar presente. Grande abraço

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  4. Amigo Egas

    Muito obrigado pelo contributo.

    Um grande abraço

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  5. Só hoje cheguei aos pormenores deste bocadinho de história tão emocionante das Ultra-Maratonas em Portugal. Grande Jorge, grande Egas.
    Abraço para todos

    P.S. Em "vésperas" da minha estreia numa prova de 24h, este bocadinho de história deu-me umas valentes dicas :)

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    1. Força Carlos. Vais fazer história!!!

      Um abraço

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    2. Força Carlos. Vais fazer história!!!

      Um abraço

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    3. Força Carlos. Vais fazer história!!!

      Um abraço

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