quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Ainda o record da Paula Radcliffe e a hipocrisia federativa da vantagem competitiva

Torno ao assunto de ontem. Que o escrevi mal tomei conhecimento. Na altura estava indignado. Mas quanto mais penso nele, a indignação passa a irritação.
Tenho lido diversos comentários pela blogosfera e reacções oficiais, como da AIMS, e se nos assuntos polémicos é habitual a coexistência de opiniões antagónicas, aqui todas afinam pelo mesmo diapasão. Injusta, ridícula, estúpida e outros adjectivos.

O ponto fulcral é a justificação da IAAF para tal medida. Vantagem competitiva.
Segundo os doutos entendidos da federação que tutela os destinos da nossa modalidade de eleição, uma mulher correr no meio de homens tem vantagem competitiva.
Tudo bem. Assumamos que sim. Mas como se prova ou comprova tal? Que a Paula Radcliffe tenha sido beneficiada por ter sido acompanhada por outros atletas aquando do seu fantástico tempo, a própria reconheceu no mesmo dia quando não se esqueceu de lhes agradecer. Mas não é o mesmo que sucedeu em tantos outros records mundiais em que as lebres puxaram e marcaram o ritmo inicial?
Ter uma lebre é ou não uma vantagem competitiva? E alguém toma ou poderá tomar uma atitude? Claro que não nem faria qualquer sentido. E não só por serem do mesmo sexo.
Porque, sejamos claros, com lebres ou sem elas, é o atleta que realizou aquele tempo. Foi toda a sua preparação, dedicação, esforço, capacidades, cabeça, pernas, pulmões e coração que o levaram a essa marca. Em altura alguma as lebres levam o atleta ao colo. Ele vai sempre no seu esforço para atingir o seu objectivo.
A IAAF entrou assim nesse perigoso jogo da vantagem competitiva, mas restrita ao sector feminino.
Ou tudo é considerado vantagem competitiva ou, apenas decretarem uma parte, beneficiam um lado por não o prejudicarem.
Levada à letra, teriam que acabar com as lebres. Mas como seria isso possível? Como se controlaria que um atleta iria para uma prova apenas para rebocar ou teria calculado mal o seu esforço, abusado do ritmo inicial e obrigado a retirar-se?
Para terminar com essas dúvidas, e mergulhando mais nas teorias académicas, apenas evitariam caso as corridas fossem transformadas em contra-relógio. Aí ninguém tiraria vantagem competitiva. Não? Bom, e se algum atleta se atrasasse, fosse apanhado por outro e o acompanhasse? E o facto de um partir numa altura em que as condições atmosféricas fossem mais favoráveis nesse momento?
Este exercício, ridículo e propositadamente exagerado, apenas serve para ilustrar o quão vago é o conceito de vantagem competitiva e o perigo da sua utilização como justificação para algo injustificável.
Em especial quando, retroactivamente, se vão alterar records mundiais.
Sabemos que qualquer record é efémero pois pode ser batido a qualquer momento. Agora sabemos que a sua efemeridade também se deve a poder ou não ser anulado no futuro.
Anulação essa que apenas o poderia ser em casos de falsidade, como quando se mistura com doping. Esse sim, vantagem competitiva desleal.

E para terminar este desabafo, tempo para analisar a grande invenção dos crânios federativos. Como se sabe, passa a existir o conceito da melhor marca mundial e o record mundial. No caso da Paula, os fabulosos 2.15.25 passam a ser denominados como melhor marca mundial, mas a honra de ser apelidado de record mundial pertence aos 2.17.42
Vamos investigar a diferença entre melhor marca e record.
Um record é uma melhor marca jamais alcançada numa especialidade, basta consultar qualquer dicionário.
Ora se um record é uma melhor marca e se passa a coexistir o termo melhor marca e record... Confusos?!? Agradeçam à IAAF!

2 comentários:

  1. João

    Compreendo a tua indignação. A Paula Radcliffe é uma mulher entre tantas outras que correm juntamente com os homens. Ela é tão 'beneficiada' por correr junto aos homens como as outras o são. Tem é mais pernas que as outras e isso para as 'doutas' cabeças pensantes não serve.

    É uma estupidez, são mentecaptos os que retiram na secretaria aquilo que a Paula ganhou no terreno.

    Dizem que com a idade todos vamos andando para trás, mas estes já devem andar na andropausa há muito tempo. Tristes tempos esperam os atletas de alta competição ao serem geridos por retrógados. Ainda iremos chegar ao ponto que, de novo, irão proibir a corrida das mulheres (como no passado), porque são... mulheres!

    Abraços!

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  2. Então nesse caso também se pode dizer o mesmo da Mary Keitany que venceu hoje a meia maratona da Vasco da Gama e que por coincidência ou não foi sempre acompanhada de alguém no sector masculino do principio ao fim, pode-se inclusive dizer que essa presença nem ficou um metro atrás aquando da Mary cortar a meta, chegou ao mesmo tempo. Será que ele a levou ao colo, não me parece.

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