quarta-feira, 19 de abril de 2017

Cumprem-se hoje 50 anos do momento icónico da afirmação da mulher na distância

Sequência do momento icónico da afirmação da mulher na distância

Hoje em dia os competidores de qualquer corrida seja de que distância for, são compostos tanto por atletas masculinos como femininas, no que mais de natural esta situação encerra.

Difícil, muito difícil é imaginar o que ainda não há muito tempo se verificava. 

Se os Jogos Olímpicos da era moderna iniciaram-se em 1896, apenas 32 anos depois (1928) foi permitida a participação feminina no Atletismo e limitada a um máximo de 800 metros. No entanto, essa distância logo baixou para 400 pois "estudos científicos" provavam que esse era o limite da mulher, devido à sua "fragilidade". 
Os 800 regressaram em 1960 e só em 1972 as mulheres puderam competir nos 1.500!
Finalmente em 1982 foi disputada a primeira Maratona de cunho oficial federativo para mulheres, nos Europeus em Atenas onde triunfou uma tal de Rosa Mota.

O que diriam esses "entendidos" ao presenciarem o actual panorama? Recorde-se que há Maratonas cuja participação feminina ultrapassa os 50%

Para esta mudança de mentalidades presas a dogmas inconcebíveis, muito teve que se lutar, havendo sempre nestas lutas momentos icónicos. Um desses momentos, dos mais mediáticos, comemora hoje 50 anos.

Para esta autêntica libertação da mulher para qualquer distância, uma atleta e uma data foram fundamentais, Kathrine Switzer e o dia 19 de Abril de 1967.

A mulher Maratona, Kathrine Switzer. Participou em 40, tendo ganho em Nova Iorque e estabelecido em Boston o seu record pessoal de 2.51.37, anos mais tarde após a atribulada estreia 

Nascida 20 anos antes, Kathrine decidiu disputar a Maratona de Boston. Para conseguir a almejada inscrição, fê-lo com o nome de K.V.Switzer, dado que era determinantemente proibido uma mulher participar.

No dia da prova, tentou disfarçar-se no meio do pelotão e aí foi ela, em conjunto com o seu treinador, Arnie Briggs e o seu namorado, Tom Miller, até que um oficial de nome Jock Semple descobriu-a, agarrou-a e, com a face mais zangada, gritou "Get the hell out of my race and give me those numbers!", tentando retirar-lhe o dorsal. Arnie ainda lhe disse que ela estava bem, que tinha sido treinada por ele e que já tinha corrido 50 km em treino. Mas a fúria do oficial era tal que nem ouvia e só a queria retirar dali. Valeu a providencial ajuda dos restantes atletas que o afastaram, tendo Tom dado um empurrão tal que o homem voou dali para fora.

Isto passou-se em frente a jornalistas que perguntaram a Kathrine "O que quer provar? É alguma masoquista? É alguma espécie de cruzada?", deixando Kathrine confusa com tais perguntas e a pensar para si mesmo "O quê? Eu só quero correr!"

Em choque, chorou de raiva, mordeu os lábios e mais força teve para correr até à meta, sentindo que tinha mesmo que acabar para provar que as mulheres podiam concluir Maratonas e apercebendo-se da responsabilidade que seria desistir com o aproveitamento que seria dado.
Concluiu e provou a falsidade das mulheres serem demasiadamente frágeis para aguentarem distâncias maiores (na altura, recordo, o máximo que era permitido uma mulher correr cifrava-se em 800 metros!).

Claro que no final foi o bom e o bonito com desclassificações, sanções, etc. Só quando viu os jornais a noticiarem o feito é que Kathrine tomou a plena consciência que a sua vida tinha mudado e, provavelmente, de muitas mulheres. 

A bola de neve começou a ganhar forma e força imparável que foi trazendo mais e mais mulheres ao prazer da corrida, até se chegar ao momento actual, e onde mais uma vez Kathrine Switzer teve importância fundamental com as suas acções e Maratonas "piratas" para mulheres nos anos 70.

Hoje, ao presenciarmos a saudável convivência em qualquer corrida, nem imaginamos o quão se penou para tal.

Tal como a nível nacional pois quando comecei a correr, 2006, a percentagem de participação feminina rondava os 6% quando hoje já se atira para os vintes por cento, mas ainda longe do ideal igualitário.  
E os tais 6% da época já representavam o duplicar do início do milénio com os seus 3% e em anos que se uma mulher corresse sozinha na rua ainda se arriscava a uma série de bocas onde a mais suave era mandá-la para a cozinha.
De notar também que a primeira edição da Maratona do Porto, 2004, contou com a participação de... 8 mulheres, quando na última edição foram 638 e o record vem de Lisboa 2015 com 710.

Foi essa a força imparável que Kathrine Switzer deu há 50 anos atrás quando arriscou e... venceu!
Daí esta singela homenagem.


De salientar ainda que na segunda-feira Kathrine, agora com 70 anos, esteve presente em nova edição da prova e utilizando o mesmo número de dorsal como pode ser visto na foto em cima.


Agora, quando vou a corridas, fico com os ombros molhados - Mulheres caem nos meus braços a chorar. São lágrimas de alegria pela forma como a corrida mudou as suas vidas. Sentem que podem fazer seja o que for.

Kathrine Switzer 

16 comentários:

  1. Coisas em que nem pensamos quando fazemos mais uma corrida... Mas a verdade é que é só mais um dos exemplos que mostram como as mulheres tiveram (e têm) de lutar constantemente pelo acesso às mesmas coisas que os homens. Nem correr poderíamos, se não fosse a Kathrine!

    É uma grande inspiração :)

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    1. Inspiração e exemplo de que se deve sempre lutar pelo que é de toda a justiça!

      Beijinhos :)

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  2. Bonito texto João!
    Uma homenagem merecida a uma mulher que fez muito pelo desporto feminino.

    Abraço

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  3. Muito bom!

    Por exemplo, os saltos de Ski só nos últimos JO é que tiveram competição feminina.

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  4. Bonita dedicatória!

    Estava aqui a pensar...provavelmente foi mais trabalhoso do ponto de vista psicológico/emocional, preparar-se para participar num evento que lhe seria hostil, do que preparar-se fisicamente para completar os 42,195.

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    1. Concordo contigo. A parte psicológica (antes da Maratona e durante após aquele momento) deverá ter sido o mais custoso.

      Beijinhos

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  5. Grande Switzer!

    Apenas uma pequena correcção (que sou particularmente sensível ao tema e li uma série de coisas sobre o assunto), ela correu oficialmente inscrita! Não havia nenhuma proibição declarada quanto à participação feminina, aliás, nem sequer havia espaço para a indicação de género. Ela inscreveu-se com as suas iniciais K. W. Switzer e apresentou-se na partida de lábios pintados e brincos (ou seja, não tentou esconder que era mulher). Na mesma corrida (e noutras antes desta) participaram e completaram a distância outras mulheres, mas sem dorsal, porque não estavam inscritas oficialmente.

    Confesso que ainda hoje, quando assisto a uma corrida (como fiz na maratona do porto) faço questão de aplaudir com especial afinco todas as mulheres corredoras, a chamar pelo nome, se lhes conseguir ver o dorsal! ;)

    Oriana

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    1. Olá Oriana! Como está a ser o pós-Maratona? É uma sensação extraordinária, não é? :)

      Quanto à correcção, eu também escrevi que ela estava oficialmente inscrita. O não haver referência ao género é porque estava efectivamente proibido e assumido que era exclusivo a homens. Ora aí para se inscrever, teve que esconder a sua identidade por isso é que se registou como K.V. Switzer em vez de Kathrine.
      Quanto aos brincos e baton, nunca li nada sobre isso, mas ampliando a foto, não consigo ver brincos nem me parece que tenha baton. E teve que escolher uma roupa larga para passar despercebida, para evitar "espécimes" como aquele juiz furioso!
      No final, foi desclassificada... Mas conseguiu! :)

      Fazes muito bem em incentivar de forma especial as mulheres pois bem o merecem por tudo o que têm ou tiveram de passar. Viva as mulheres!

      Beijinhos

      ps - Está nos planos uma 2ª Maratona? :)

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  6. A recuperação foi muito tranquila, apesar de nunca ter passado dos 30kms, as dos trilhos costumam ser bem mais dolorosas! :D

    A história do baton é contada pela própria: http://kathrineswitzer.com/about-kathrine/1967-boston-marathon-the-real-story/ e eu achei particular piada porque hoje em dia não consigo entender quem leva maquilhagem para as corridas! ;)

    Quanto à mítica distância... vou repetir ainda este ano em trilhos... mas sou já orgulhosa detentora de dorsal para uma certa corrida em Fevereiro, de que muito se fala por estas bandas!!! :D

    Beijinhos,
    Oriana

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    1. Yeeesss!!! Vais adorar essa em Fevereiro!!! É um ambiente extraordinário :)

      Força!!!

      Beijinhos

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  7. Uma grande inspiração para todos nós!
    Eu adoro correr e não consigo imaginar a minha vida sem correr. É fantástico ver o ambiente de uma corrida, principalmente de uma maratona e sentir todo o carinho do publico, principalmente mulheres a apoiarem e a gritarem por mulheres.

    BORA LÁ CORRER MULHERES!!! =)

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  8. Bonito trabalho mas só dei por ele agora! É que só via a coisa!

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    1. Estavas vidrado, eh eh. É compreensível e natural :)

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