segunda-feira, 5 de março de 2012

Spiridon 200 - Depoimento de Ana Pereira



Eu e a Spiridon

A Corrida entrou na minha Vida ainda nos anos 70, logo após a Revolução de Abril em que tudo o que era Associativismo e Colectividade em Portugal fervilhava de acções e movimentos. Era eu menina e ainda contava os meus anos de vida pelos dedos das mãos e sobravam dedos. Ingressa no Grupo Desportivo de Vialonga, na equipa de Atletismo, criança ainda conheci a Corrida e sem dar por isso deixei que ela se entranhasse na pele, e pelas mãos de treinadores competentes e dedicados onde a vertente lúdica e humana, de formação na verdadeira acepção da palavra, se sobrepunha à Competição e consequente exclusão, deixou marcas naqueles jovens, no seu carácter e personalidade, ao ponto desta miúda (na altura) se deixar contagiar, invadida pela Corrida que através do sangue em circulação pelo seu corpo, se lhe cravou no coração e nos ossos, e atrevo-me mesmo a dizer, que em todos os órgãos do seu então pequeno corpo, de forma inabalável e crónica. 

Pela mesma altura, mais concretamente em 1978 nascia a Spiridon. Revista feita por amantes da Corrida para amantes da Corrida. Não muito longe um do outro, durante anos e anos nunca souberam um do outro. Nem ela da Spiridon, nem a Spiridon dela. Deixou o clube, ainda antes da adolescência. No entanto, nunca deixou a Corrida. De forma mais ou menos regular, séria ou lúdica, mas sempre prazenteira, a Corrida de alguma forma esteve sempre presente, embora bem longe dos clubes, competições e provas.


No início dos anos noventa, cruza na vida com o que veio a ser seu marido, e este para além de também gostar de correr, tinha a casa recheada de livros. Paixões que se partilham além da Vida, ou que são a própria Vida, e no meio das prateleiras, com uma encadernação antiga, de odor bafiento, ela encontra uma verdadeira preciosidade: todas as publicações (com excepção do nr. 1) de uma “revistinha” dedicada à Corrida. De seu nome Spiridon, em pequeno formato, com letras que se adivinhavam batidas à máquina de escrever, prendeu a rapariga a leituras proveitosas que ela, ávida de conhecimento pelo tema, devorou deleitada. Descobria uma nova Corrida. Procurava temas específicos nos índices e lá ia procurar o volume que a esse tema se dedicava. Planos e tipos de treino, alimentação, questões de saúde, lesões, equipamentos, calçado, tipos de piso, diferenças do homem e da mulher e a sua importância na Corrida, nos métodos e especificidades, tanta e tanta era a informação. Até anúncios a provas e calendários. Questões médicas respondidas por técnicos de saúde que respondiam a questões de leitores, secção essa que ela própria usou e viu respondida a sua dúvida. Histórias de atletas, curiosidades, notícias do mundo.


E a três: ela, o marido e a Spiridon, aventurou-se pela 1ª vez em idade adulta a participar numa Corrida. Aberta a todos. A promover a Corrida para todos, como a Spiridon. A proporcionar momentos de desporto, lazer e convívio, com vista a um melhoramento da qualidade de vida dos indivíduos. Com a Spiridon, ela perdeu a timidez e o medo de se sentir desajustada nessas Corridas. Com a Spiridon deu o passo para conhecer a Corrida verdadeiramente para todos, no colectivo. Conheceu outros clubes e deles fez parte. Com a Spiridon treinou e melhorou a sua Corrida e as suas marcas. Optimizou os seus treinos. Com a Spiridon motivou-se e atreveu-se a criar objectivos. Do treininho de manutenção chegou onde jamais pensara ser possível chegar: à Maratona. Com a Spiridon venceu medos e superou-se a si própria. Também com a Spiridon iniciou o seu velho pai na Corrida. Correram juntos muitas provas. Conheceu e fez muitos amigos. Um mundo deles. E aí sentiu-se em casa. Descobriu um mundo novo, que é hoje também seu e do qual faz inteiramente parte.


Anos se passaram, muitas Corridas correu, muitas mais Spiridons leu, divorciou-se, deixou de receber e ler a Spiridon. Tornou-se assinante, por razões económicas deixou de o ser, muitas voltas dá a Vida, criou um blogue, escreve ela sobre a Corrida, colabora com amigos que como ela “vestem a camisola da Corrida”, e actualmente permitiu-lhe a Vida um dia destes que passou voltar a ser assinante da Spiridon por mais um ano.


Com algum cuidado de se manter actual, respondendo às solicitações do corredor de hoje, a Spiridon, hoje aproximando-se da sua 200ª publicação, continua a dar cartas e a fazer correr tinta e pessoas. Continua a ser um excelente treinador sério, competente e muito experiente para todos os que gostam de correr. Um conselheiro que recomendo e aconselho, sem qualquer ressalva ou hesitação.


Ana Pereira
(Atleta desde tenra idade, maratonista e criadora dum blog de alta qualidade literária)


Não deixe de ler o depoimento de Rita Borralho, publicado hoje no Último Km



3 comentários:

  1. "Atleta desde tenra idade, maratonista e criadora dum blog de alta qualidade literária"

    Oh João, "Atleta" é questionável, mas apaixonada e praticante de Corrida desde tenra idade e Maratonista sim, não há dúvidas. Criadora de um blogue, também: criei-o e sustento-o com muita dedicação, agora se o mesmo é de alta qualidade literária...isso já não sei... mas vindo se si esta "apreciação", é sem dúvida alguma, um grande elogio! Obrigada João

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  2. Ana, excelente!!!
    Sabes bem que gosto muito de te ler, mesmo nos dias difíceis ;)

    João Lima e Jorge Branco mais uma vez Parabéns pelo vosso trabalho!

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  3. A Ana Pereira, assim como eu, tornou da Spiridon, o seu treinador.

    Quando escrevi sobre os 15 km da Casa Sena, a Ana Pereira disse-me que também participava nessa prova. Na tua página de resultados, lá está o nome dela em 1998 e o meu.

    Outras provas devemos ter corrido, mas não há dúvidas que a Spiridon foi desde sempre o 'nosso' treinador.

    Nunca conheci outro!

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