Conta-me, quem já corre há 30 anos, que no início da década de 80 não era bem encarado corredores treinarem pelas ruas. Ainda não estava enraizado o conceito de corridas na estrada e o Atletismo era visto para "atletas a sério" e não o normal habitante do dia a dia.
Assim, algumas vezes eram prendados com frases estilo "Vai trabalhar, malandro". Abro aqui um parêntese para sublinhar que se toda a população possuísse a vontade, empenho e espírito de sacrifício que o "malandro" do atleta necessita, o país estaria bem melhor. Mas adiante, que esse não é o tema deste artigo.
Ora se com homens a correr na rua, havia essa reacção, imagine-se com atletas femininas!
Recordo, por exemplo, Rosa Mota relatar esses tempos e onde a frase mais suave que ouvia era mandá-la para a cozinha. Poucos anos depois, o povo português, onde se incluíam esses profissionais da maledicência, exultava com o ouro olímpico da nossa Rosinha, um dos factores que terá ajudado a começar a mudar, lentamente, as mentalidades mais retrógradas, ampliado pelo facto de começarem a ser vistas mais atletas femininas a treinarem e correrem.
E essa força das mulheres fez com que hoje em dia se possa assistir a muita atleta correr pelos diversos locais, sozinha ou acompanhada, e a não ter que escutar um coro de barbaridades.
Claro que ainda haverá quem tenha resíduos desses tempos, mas que a força e pioneirismo das nossas campeãs de outrora vingou, não haja dúvidas. Campeãs como Georgete Duarte, hoje com 86 anos e sem ainda ter visto alguém bater o seu record de títulos nacionais, 46, com 11 consecutivos entre 1948 e 1958, e a particularidade de no primeiro ter corrido grávida de 4 meses e ter batido o record nacional.
E muito a Georgete sofria por correr de calções! Chega a afirmar que uma prostituta não ouvia tanto nome como os que ela tinha que suportar.
O bom e o bonito deu-se em 1958 quando apareceu numa entrevista na recém formada televisão. Na sua terra, Moita, foi o escândalo pois assim tinha mostrado a todo o país as pernas.
Hoje em dia, apesar de ainda estarmos um pouco afastados das percentagens de alguns países europeus, nota-se um incremento de atletas femininas, o que só pode ser entendido de forma muito positiva. E não, como já ouvi, por trazerem mais cor e alegria ao pelotão, mas sim pelo verdadeiro aporte competitivo que encerram.
E não deixa de ser espantoso verificarmos o que o atletismo feminino tem evoluído, bastando ver o espaço de anos que os homens demoraram a chegar a algumas marcas, comparando com o que o sector feminino tem feito em muito menos tempo.
Não deixa de ser igualmente curioso constatarmos que, apesar de em menor número de participações, das 250 medalhas alcançadas em eventos internacionais, até ao escalão sénior, por atletas portugueses, 140 são femininas (56%).
Aproveitando a mudança de mentalidades operada nos últimos anos, esperemos ver o nosso pelotão enriquecer com mais e mais atletas cujo escalão começa pela letra F.
João
ResponderExcluirInfelizmente aconteceu comigo, do mandar trabalhar e quando treinava chamavam-me diversos nomes, mas por onde eu passava era normal. Quem nunca teve criação também não pode ser bem educado (salvo exceções).
Hoje, felizmente, já se encara o desporto de outra maneira e cada vez se vê mais a praticar exercicios físicos ou a participarem em grandes eventos desportivos.
Talvez haja ainda alguma renitência em grupos etários mais elevados, fruto do "Deus, Pátria e Família". A mulher só servia para esvaziar algo, cozer as meias e fazer o almocinho.
Abraços!