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Sequência do momento icónico da afirmação da mulher na distância |
Hoje em dia os competidores de qualquer corrida seja de que distância for, são compostos tanto por atletas masculinos como femininas, no que mais de natural esta situação encerra.
Difícil, muito difícil é imaginar o que ainda não há muito tempo se verificava.
Se os Jogos Olímpicos da era moderna iniciaram-se em 1896, apenas 32 anos depois (1928) foi permitida a participação feminina no Atletismo e limitada a um máximo de 800 metros. No entanto, essa distância logo baixou para 400 pois "estudos científicos" provavam que esse era o limite da mulher, devido à sua "fragilidade".
Os 800 regressaram em 1960 e só em 1972 as mulheres puderam competir nos 1.500!
Finalmente em 1982 foi disputada a primeira Maratona de cunho oficial federativo para mulheres, nos Europeus em Atenas onde triunfou uma tal de Rosa Mota.
O que diriam esses "entendidos" ao presenciarem o actual panorama? Recorde-se que há Maratonas cuja participação feminina ultrapassa os 50%
Para esta mudança de mentalidades presas a dogmas inconcebíveis, muito teve que se lutar, havendo sempre nestas lutas momentos icónicos. Um desses momentos, dos mais mediáticos, comemora hoje 50 anos.
Para esta autêntica libertação da mulher para qualquer distância, uma atleta e uma data foram fundamentais, Kathrine Switzer e o dia 19 de Abril de 1967.
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A mulher Maratona, Kathrine Switzer. Participou em 40, tendo ganho em Nova Iorque e estabelecido em Boston o seu record pessoal de 2.51.37, anos mais tarde após a atribulada estreia |
Nascida 20 anos antes, Kathrine decidiu disputar a Maratona de Boston. Para conseguir a almejada inscrição, fê-lo com o nome de K.V.Switzer, dado que era determinantemente proibido uma mulher participar.
No dia da prova, tentou disfarçar-se no meio do pelotão e aí foi ela, em conjunto com o seu treinador, Arnie Briggs e o seu namorado, Tom Miller, até que um oficial de nome Jock Semple descobriu-a, agarrou-a e, com a face mais zangada, gritou "Get the hell out of my race and give me those numbers!", tentando retirar-lhe o dorsal. Arnie ainda lhe disse que ela estava bem, que tinha sido treinada por ele e que já tinha corrido 50 km em treino. Mas a fúria do oficial era tal que nem ouvia e só a queria retirar dali. Valeu a providencial ajuda dos restantes atletas que o afastaram, tendo Tom dado um empurrão tal que o homem voou dali para fora.
Isto passou-se em frente a jornalistas que perguntaram a Kathrine "O que quer provar? É alguma masoquista? É alguma espécie de cruzada?", deixando Kathrine confusa com tais perguntas e a pensar para si mesmo "O quê? Eu só quero correr!"
Em choque, chorou de raiva, mordeu os lábios e mais força teve para correr até à meta, sentindo que tinha mesmo que acabar para provar que as mulheres podiam concluir Maratonas e apercebendo-se da responsabilidade que seria desistir com o aproveitamento que seria dado.
Concluiu e provou a falsidade das mulheres serem demasiadamente frágeis para aguentarem distâncias maiores (na altura, recordo, o máximo que era permitido uma mulher correr cifrava-se em 800 metros!).
Claro que no final foi o bom e o bonito com desclassificações, sanções, etc. Só quando viu os jornais a noticiarem o feito é que Kathrine tomou a plena consciência que a sua vida tinha mudado e, provavelmente, de muitas mulheres.
A bola de neve começou a ganhar forma e força imparável que foi trazendo mais e mais mulheres ao prazer da corrida, até se chegar ao momento actual, e onde mais uma vez Kathrine Switzer teve importância fundamental com as suas acções e Maratonas "piratas" para mulheres nos anos 70.
Hoje, ao presenciarmos a saudável convivência em qualquer corrida, nem imaginamos o quão se penou para tal.
Tal como a nível nacional pois quando comecei a correr, 2006, a percentagem de participação feminina rondava os 6% quando hoje já se atira para os vintes por cento, mas ainda longe do ideal igualitário.
E os tais 6% da época já representavam o duplicar do início do milénio com os seus 3% e em anos que se uma mulher corresse sozinha na rua ainda se arriscava a uma série de bocas onde a mais suave era mandá-la para a cozinha.
De notar também que a primeira edição da Maratona do Porto, 2004, contou com a participação de... 8 mulheres, quando na última edição foram 638 e o record vem de Lisboa 2015 com 710.
Foi essa a força imparável que Kathrine Switzer deu há 50 anos atrás quando arriscou e... venceu!
Daí esta singela homenagem.
De salientar ainda que na segunda-feira Kathrine, agora com 70 anos, esteve presente em nova edição da prova e utilizando o mesmo número de dorsal como pode ser visto na foto em cima.
Agora, quando vou a corridas, fico com os ombros molhados - Mulheres caem nos meus braços a chorar. São lágrimas de alegria pela forma como a corrida mudou as suas vidas. Sentem que podem fazer seja o que for.
Kathrine Switzer