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Antes da partida, com os, já se pode dizer agora, 5 atletas dos 4 ao Km (Orlando, eu, Eberhard, Vítor e Isa) |
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros
e de mal contigo
Que força é essa, amigo
(Extracto de "Que Força é Essa" de Sérgio Godinho)
(neste artigo vou tentar ser o mais racional possível e tentar diminuir o estado de emoção que me encontro, se tal conseguir)
Durante 27 anos, a Xistarca, a quem tanto devemos, colocou de pé a Maratona de Lisboa, evento que foi englobando outras distâncias. Participei entre 2006 e 2012, correndo em tudo. A Mini em 2006, Meia-Maratona entre 2007 e 2010, Maratona por Estafetas em 2011, até atingir o momento mais alto da minha carreira como atleta, a Maratona em 2012, faz amanhã um ano.
Vendida que foi a Maratona à Competitor, a Xistarca, em boa hora, decidiu criar a Meia-Maratona dos Descobrimentos, englobando uma Meia por Estafetas e uma prova de 10 kms.
Na minha preparação para a Maratona em 2012, tive a sorte de apanhar um período fértil em Meias, correndo essa distância (ou 20 kms como em Almeirim), por 6 vezes em 8 semanas, o que me deu muita endurance. Uma coisa são treinos longos, outra é corrermos uma Meia em ritmo competitivo.
Na preparação para Sevilha, tive no final de Outubro os 20 de Almeirim, duas semanas depois a Meia da Nazaré e, nesses 3 meses de intervalo até Sevilha, apenas estava calendarizada esta Meia.
Por várias razões, apontei-a como uma prova para tentar algo. Para o bem ou para o mal. Precisava de ter uma conversa comigo próprio, precisava de ganhar confiança para Sevilha e queria festejar da melhor forma o aniversário de amanhã da Maratona.
Tudo isto assombrado pelo pesadelo dos 15,5 na maratona de Outubro. E foi esse o momento que mais esteve presente hoje, o que acabou por me colocar uma faca nos dentes. Mas a isso já lá vamos.
Fui com a Isa e João Branco para Belém e ao chegarmos, deparámos com nevoeiro e muito frio. De imediato encontrámos o Vítor a quem queríamos fazer um convite para entrar na equipa.
Tinha o discurso bem preparado mas ficou na gaveta pois o João Branco desbroncou-se e o Vítor soube logo do que íamos falar, o que acabou por ter a sua piada.
Temos mais um elemento na nossa equipa de amizade, a que se juntam também o casal Carla e Jaime. Já somos 10 ricos elementos mas será que irá haver mais novidades para breve? (não perca os próximos episódios!)
Depois de muita tremideira (estava mesmo frio!), hora da partida. Aí disse uma frase que parecia uma mera piada à "La Palisse" mas que tinha outro significado. Afirmei "hoje a corrida vai correr bem ou mal". A Isa e o Vítor riram-se mas eu sabia o significado. Ia dar tudo logo desde o início (mesmo respeitando a parte inicial para a pulsação não disparar logo). Tinha a intenção de não me salvaguardar absolutamente nada, mesmo que isso custasse um estoiro que se ouvisse na outra banda.
Vou confessar uma coisa. Hoje levava uma nota de 10 euros no bolso, caso tivesse que regressar ao local da chegada por transportes públicos. E se tivesse que desistir, pelo tal estoiro, saberia que tinha sido por uma boa causa. Daqui se vê o meu empenho.
O tempo que apontava era baixar de 2.07.38 e sentir que tinha feito a melhor Meia dos últimos 2 anos, sendo o ideal menos de 2.04.34 e ser a melhor dos últimos 2 anos e meio, mas isso já parecia um bocado de ambição a mais.
Baixar das 2 horas, só em sonhos daqueles que já não se realizam mais. Para um atleta com as minhas capacidades, esse é um tempo muito raro de se alcançar e só em condições muito especiais. Fi-lo na Meia de Lisboa, integrada na Maratona de Lisboa 2007 (1.56.35). Após a fractura do pé, tinha consciência que já não o faria mais, mas na Nazaré 2010 marquei 1.56.53, o que motivou uma explosão de alegria na meta.
Mas isso foram tempos passados... Foram? A sério senhor João?!?
Dada a partida, furei entre a Isa e o Vítor (com empurrão e tudo, que mau desportivismo, he he he) e logo de início tivemos a subida para o Restelo. Aí, tentei equilibrar entre o não disparar logo as pulsações e o não perder segundos, o que consegui na perfeição.
Tal como os melões que apenas depois de abertos se sabe o que valem, também em corrida só após uns metros vemos o que estamos a valer. E a impressão era excelente. Aos 3 kms, baixar dos 2.07.38 já tinha deixado de ser meta que passou para os menos de 2.04.34
Entre os 5 e os 6, a pulsação estava boa e equilibrada e sentia-me cheio de força. Olhei para o relógio. A média dava para as 2.01/2.02 mas tive a perfeita consciência que podia baixar uns segundos por km e atacar o sub 2 horas! Esse pensamento deu-me uma enorme euforia rentabilizada em força e agarrei o sonho bem apertado com as duas mãos.
Aos 10 kms, tudo estava a correr bem e, apesar de faltar mais de metade do percurso, sentia que HOJE IA SER DIA! Passei pelos amigos Manuel Oliveira e João Branco, que estavam à espera de receber o testemunho da estafeta e gritei "Isto hoje está muito bom!".
Ultrapassei muito atleta, cruzei-me com muitos mais e fui recebendo palavras de incentivo. E acreditem o quanto elas ajudam!!!
Abro aqui um espaço muito especial para referir os jovens que estavam no reabastecimento dos 10 e 15 kms e que foram um espectáculo e exemplo! Não se limitavam a dar água mas sim a incentivar todo e qualquer atleta com frases de apoio espontâneas e que muito bem caem em todos nós que vamos em grande esforço.
Entretanto, não sabia da Sandra e Nuno mas tinha esperança que fossem à frente pois a Sandra bem merecia bater o seu record de 6 anos em Meia, quando realizou o muito curioso tempo de 1.59.59
Quando ia a aproximar-me do retorno, vejo-os já a regressarem. Tinha tudo para bater o seu record. Espantou-se por eu ir já ali (mais energia extra ganha!) e gritei-lhe a melhor palavra que podia dar-lhe: "Acredita!"
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Curiosa fotografia do Vítor comigo a cruzar-me com a Isa e ambos de thumbs-up |
Após o retorno, cruzo-me com a Isa e Vítor e o meu depósito de força foi reabastecido com mais incentivos.
Ainda faltavam 8 quilómetros mas sabia que ia conseguir. Tinha que continuar no meu limite, mas sabia que o iria fazer. É daqueles momentos que se acredita e se sabe.
O ritmo ia excelente, as pulsações idem, e nem sequer me recordava que estava a percorrer aquelas longas rectas Belém-Santa Apolónia-Belém! Quando queremos fazer as coisas bem, não podemos só questionar se estamos a fazer o que é o certo, pois assim passamos também a ser espectadores, reduzindo a concentração. E a concentração era seguir. Seguir. Aguentar. E dar uma grande lição a mim.
Aos 20 kms, a coisa estava garantida e nem seria no minuto 59 mas sim 58. Também sabia que a Sandra ia à frente, o que significava que ia fazer um tempo que bem merecia. Olhei umas duas ou três vezes para trás para ver se via a Isa e o Vítor pois tinha esperança que ela também baixasse, pela primeira vez, das duas horas. Não os vi. Mas o record de 2.02 deveria dar (atendendo onde iam quando nos cruzámos).
Só nestes últimos 1.000 metros senti a grande carga de esforço. O ritmo não baixou mas já estava para além do que aguentava. Mas reduzir? Nunca!
Tenho perfeita consciência que hoje não daria para retirar um segundo que fosse ao meu tempo. Dei, a todo e qualquer momento, tudo o que tinha. Por vezes nem me reconhecia.
Cortei a meta em 1.58.26
Uma rapariga com um bonito sorriso disse-me parabéns e deu-me a medalha. Pego na medalha e, reacção instintiva, dei um sentido beijo na medalha
Seguiu-se um turbilhão de sensações antagónicas. Tanto me apetecia rir como chorar. Exultar como praguejar. Levantar as mãos como atirar a garrafa com força contra o chão.
Muitos podem entender, mas apenas passando as coisas na primeira pessoa se sabe o que alguns momentos são e significam.
Encostei-me a uma grade para esperar pela Isa e Vítor. Grande alegria! Uns 20 e tal segundos depois chegavam. A Isa também tinha entrado no minuto 58! (ler as suas Meias-Maratonas é constatar uma evolução notável!)
Tempo para encontrar a Sandra e saber do seu record. Tinha esperança do minuto 56. A alegria foi imensa quando soube que foi o 54!
A amizade pode ser um tesouro de valor incalculável, e eu sinto-me extremamente rico e abençoado com a amizade tão especial e genuína que partilho com a Sandra e a Isa, amigas do coração. Daí a minha enorme felicidade com os seus feitos.
No final e no geral, muitos atletas felizes com a sua prestação. (Há alguma dúvida que a temperatura baixa não seja um grande aliado?!?)
Tive momentos de especial emoção. Mais do que uma corrida, tinha estado numa longa conversa comigo. E tal como numa grande conversa entre alguém zangado consigo próprio, ambos os eus acabaram de paz feita.
Tal como disse, houve alturas que nem me reconheci. Resta saber se hoje fui outro ou este é que é o verdadeiro João. Eu não sei responder! Apenas sei dizer que podem ter existido duas Meias onde fiz melhor tempo, mas nessa altura estava noutra forma, condição e idade. Por tudo o que aconteceu hoje, elejo esta como a MELHOR MEIA QUE ALGUMA VEZ FIZ!
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Uma fotografia de gente feliz: Orlando, eu, Sandra, Nuno, Isa e Vítor.
Obrigado ao Vítor pela partilha da foto e ao Pedro por ter sido fotógrafo |
Se chegaram aqui, parabéns por terem aguentado um artigo tão longo e emotivo!