Estamos em 1987, computadores apenas os de grande porte em firmas, os pessoais eram apenas uma miragem, e telemóvel era uma palavra que ainda não constava no dicionário.
De Março na 1ª edição, passou-se a meio de Abril, 18. 25 atletas iriam ser classificados, praticamente dobrando os 13 da edição inaugural. Mas o que se manteve foi o nome do vencedor, António Matias que superou em 4.580 metros a vitória de 1986, passando o record da prova (e nacional) para 126.565 metros, um número impressionante de realizar em 12 horas consecutivas!
Tal como no ano passado, foram 6 os atletas que quebraram a barreira dos 100 quilómetros, sendo que o 2º, Rodolfo Martins, repetiu a façanha da 1ª edição, aumentando agora 5.045 metros, fazendo assim 117.050, e passando de 4º para 2º.
Os restantes 4 foram estreantes. José Meira completou o pódio com 104.600, apesar dos seus já 52 anos, seguido por Francisco Cruz 102.125, Jorge Branco (cuja corrida será desenvolvida à frente) 101.650 e na 6ª posição a vencedora feminina, melhorando o record feminino de 1986 em 27.575 metros, uma brasileira recém chegada a Portugal e cujo nome desde há muitos anos é sinónimo duma grande atleta e pessoa, muito querida e respeitada por todos os atletas, Analice Silva.
Perto dos 100, ficou o bem conhecido António Belo, 96.655, tendo acompanhado de perto durante as primeiras 8 horas os 2 primeiros classificados para depois ter quebrado o ritmo, enquanto a vencedora feminina da 1ª edição, Ana Camarada, melhorou de 73.325 para 74.155. O seu marido, João Camarada, não quis deixar de estar presente, apesar de lesionado, e ainda realizou 39.550 metros.
Cada atleta tem o seu momento de glória, digamos, a sua medalha de ouro. Cada um tem um momento em que se sente a entrar em pleno estádio olímpico. Momentos especiais que ficam a marcar e perfumar o resto da vida.
Foi o que aconteceu com Jorge Branco e esta sua participação coroada de sucesso.
Há aqueles que nascem para a corrida e, naturalmente, conseguem logo atingir um elevado nível de performance. E há quem tenha que transformar as suas fraquezas em força, chegando a um nível semelhante dos primeiros com muito treino e força de vontade, muito treino e força de vontade e (por que não dizê-lo?) muito treino e força de vontade.
Tal como vinha referido na Revista Spiridon, Jorge era frágil do ponto de vista músculo-tendinoso, mas com uma grande dose de coração, entregou-se a este objectivo que viria a marcar a sua carreira, com treinos específicos onde corria mais devagar (cerca de 6.30/Km), entre hora e 15 e hora e 45, com treino longo de 2 horas ao fim-de-semana, 3 horas de 15 em 15 dias, treinando 6 vezes por semana. Como teste para a prova, correu 4 horas.
(Na foto em cima, podemos ver documentado o treino dessas 4 horas, quando passava junto à antiga Doca Pesca em Algés, e na fotografia inicial a sua camisola de prova)
Teve conselhos técnicos do professor Mário Machado e do vencedor da prova, António Matias, pela sua experiência de 1986, e apenas não se estreou na edição inaugural por lesão. Fê-lo nesta e a sua maior dificuldade foi o ritmo de 7 e picos, ele que chegou a fazer uma Maratona à média de 4.30 por quilómetro (3.10,27)
O segredo da sua prestação foi ter partido devagar mas mantendo sempre uma grande regularidade, começando a ultrapassar outros atletas à medida que iam quebrando.
Claro que chegou uma altura que as pernas começaram mesmo a doer, em especial após as suas paragens nos reabastecimentos, mas Jorge soube aguentar-se e até fez algo no final que não será o melhor para uma prova deste calibre mas justificável pelo entusiasmo, sprintou nos metros finais.
António Belo é massajado por volta das 8 horas de prova; Jorge Branco reabastece no final da 1ª volta (foto Revista Spiridon)
E por falar em abastecimentos, curiosa a história do seu tio, Egas Branco, que participou na missão de prestar ajuda logística ao Jorge mas ainda acabou por percorrer 60.575 metros, classificando-se na 18ª posição e depois de ter almoçado um bitoque! O seu carro no final, mais parecia uma lixeira, pelo apoio que prestou a estes 2 atletas.
Durante a corrida, Jorge alimentou-se de bananas, quartos de marmelada, bolo de mel, bolachas de arroz, barras energéticas (na altura uma novidade em Portugal, vendidas pela Revista Spiridon), além de litros e litros de água, nos abastecimentos oficiais de Vila Real e Monte Gordo.
Na primeira volta comeu demais e apanhou a famosa dor de burro, depois aprendeu a ir petiscando conforme a fome. Apenas uma única vez se sentou, e por breves minutos, numa cadeira de praia da equipa da IBM (que ainda hoje recorda como uma poltrona que lhe transmitiu um prazer indescritível!).
Mas o seu segredo talvez tenha sido, aquando do momento mais delicado da prova, ter atacado uma mousse de chocolate que a sua mãe lhe tinha preparado, para espanto de quem estava por perto!
Este foi um truque psicológico que António Matias lhe tinha aconselhado, comer algo que lhe desse prazer, que no caso do vencedor da prova foi uma salada de frutas.
O conceito de correr de trás para a frente, aplicou-se por completo nesta sua prova, pois ao final da manhã ainda era o último, para depois concluir num fantástico 5º lugar, que lhe valeu uma enorme e merecida ovação na entrega de prémios!
No dia seguinte, marcas desta aventura foram em forma de queimadura no pescoço, em virtude do dia anormalmente quente.
A classificação completa desta edição, pode ser consultada aqui
No final desta prova de sucesso, os organizadores tinham esperança de chegar aos 40 atletas em 1988. Mas essa e a edição final, são o motivo da 3ª e última parte, a publicar amanhã.