Este artigo é uma opinião pessoal de alguém que não participou no Ultra Trail de São Mamede mas que acompanhou in loco a prova desde as 7 da manhã até depois da meia-noite, tendo passado por todos os PAC entre o 4º e o 9º.
E sem dúvida que este não era o artigo que pretendia escrever e que nunca pensaria fazê-lo pois estava a assistir a uma organização em grande, com especial incidência aos voluntários nos PAC que passaram longas horas no seu posto e ofereciam sempre o maior apoio e simpatia aos atletas que iam chegando. E como importante é esse apoio a quem está a praticar um esforço tremendo.
Lamentavelmente, toda a grandiosidade deste evento ficou manchada por uma atitude incompreensível, e não constante no regulamento, que destruiu o esforço de três atletas, obrigados ditatorialmente a morrerem na praia quando já tinham passado os 97 km dum total de 102 que compunham este desafio.
Dois desses eram a Isa e o Vítor que estabeleceram um plano de 3 anos no UTSM, com presença em 2014 e 2015 nos 42 km para se balancearem para os 100 este ano.
Estudaram o regulamento e verificaram que havia 3 barragens. PAC 3 (30 km), onde tinham que passar até às 7 horas de prova, PAC 6 (60 Km), até às 14 e PAC 9 (91 km) até às 22.30. O limite na meta eram as 24 horas.
Analisando estes tempos, realça uma incongruência entre o tempo limite no PAC 9 e a meta pois quem chega em 22.30 para 91 km, mantendo a mesma média nos últimos 11 km demorará 2 horas e 43, chegando assim às 25.13
Mas também é verdade que em todas as anteriores edições foram classificados atletas até bem depois das 24 horas, como no ano passado onde os últimos chegaram em 25.14, como a página do Facebook da prova destaca bem.
Naturalmente que nada quereria dizer que este ano não fechassem mesmo às 24 horas, como estava no regulamento, mas uma coisa é chegar à meta com o controlo fechado, outra é nem lhes ser permitido concluir a parte final do trajecto.
A Isa e o Vítor estiveram sempre muito bem e decididos, provando que tinham capacidade para a distância e para o projecto que delinearam para estes 3 anos e que se consumaria neste fim-de-semana.
Conscientes das suas capacidades, iam tendo em conta os tempos limites, seguindo em todos com margem.
No PAC 3 passaram com mais duma hora de avanço, no PAC 6 com 45 minutos e no PAC 9, já com a dificuldade adicional da noite ter caído, chegaram com 35 minutos de avanço, tendo demorado cerca de 15 minutos no PAC.
Nesta altura foram apanhados pelo vassoura que acompanhava a última atleta em prova e seguiram os quatro.
Já nenhuma dúvida restava sobre que iriam concluir os reais 102 km. Tinham passado a última barreira e estavam preparados para os últimos 11 km, para cumprirem o seu sonho.
Claro que haveria a dúvida sobre se iram ser classificados (pelos anos anteriores sim), mas sentiriam a glória da meta e a certeza que tinham conseguido concluir uma prova com 3 dígitos.
Até lá, uma passagem pelo último PAC, o 10 com pouco mais de 97 km e a quase 5 km da meta.
E é aqui que surge o caso. Foram informados que não poderiam continuar pois iriam chegar depois das 24 horas.
Defenderam-se invocando o regulamento, onde não constava nenhuma barreira no PAC 10. Após o PAC 9 apenas haveria na meta. Reclamaram e quiseram falar com o director de prova. Chegou a haver uma chamada telefónica por parte da outra atleta para o director mas este desligou ou caiu a chamada. Depois souberam que ele se ia dirigir para lá.
Entretanto na meta, chegavam dois atletas com 24.17 e eles continuavam no PAC 10 à espera.
Quando aí chegaram, a média daria para cortarem a meta com 25.00 / 25.05.
10 minutos antes de chegarem ao PAC 10, tinha passado por esse PAC uma atleta que depois cortou a meta em 24.50 e foi classificada. Eles teriam chegado à meta 10 minutos depois, o máximo 15.
Claro que havia esperança que o director de prova resolvesse a contento o problema. Era tudo uma questão de sensibilidade e bom senso, além de se cumprirem os regulamentos onde não havia barreira no PAC 10.
E para que servem os regulamentos? Não só para os atletas terem que cumprir, sob pena de desclassificação, como os próprios organizadores serem os primeiros a respeitarem as regras que criaram!
Pode haver excepções? Sim, claro, casos imprevistos (os tais casos omissos), como condições de tempo adversas ou os atletas apresentarem sinais que poderá colocá-los em risco.
Ora nenhuma desta situação sucedeu, portanto nada havia que obrigasse a uma excepção
Também importante é saber qual o papel dum director. Não é para ostentar um título importante mas sim alguém a quem os atletas sabem que podem falar em caso de algum problema. Depois, cabe-lhe decidir.
Ora ouvir os atletas não fez parte das funções deste director que chegou lá e decidiu da pior forma, ditatorialmente pois não permitiu alegações dos atletas, esquecendo-se da real importância da sua função.
Claro que estaria acordado há demasiadas horas e bastante desgastado, mas... e os atletas que estavam em esforço há 24 horas? Que tinham aguentado tudo e lutado pelo sonho da meta? Para quem, como dizia a outra atleta, o realizar esta distância era o seu grande sonho?
Não só não estava no regulamento barragem no PAC 10 como nada custava deixar seguir estes atletas até à meta, independentemente de os classificar ou não.
E se havia alguma justificação, não foi dada. Ora como não foi dada, como seria obrigação dum responsável, corresponde a não haver qualquer justificação.
O que esta decisão fez foi cercear de forma cruel todo o esforço e sonhos destes três atletas. Com que benefício?
Na altura, estava eu junto à meta e reclamei sobre este facto. Reagiram duas elementos da organização. Uma conhecida atleta que reagiu de forma correcta mas outro elemento foi muito infeliz ao criticar o ritmo a que estes três atletas vinham. Ora a organização colocou 3 barreiras e eles cumpriram em todas. Se a organização colocou esses tempos limites é que até essa altura é aceitável.
Fica bem a um elemento da organização mesquinhar com o andamento de atletas quando estes até cumprem com o pedido?
Claro que para o limite na meta já não mas aí houve um tremendo erro de cálculo por parte de quem os estabeleceu pois que expliquem como alguém que passa aos 91 km em 22.30 consegue passar às 24 em 102.
E sobre essa crítica do ritmo, que a organização decida quem quer ter como inscritos. Apenas elite e diminuem fortemente os tempos limite, ou fazer a festa da corrida, permitindo também a presença de atletas que não correm tão rápido mas que dão tudo o que têm, que se esforçam de igual forma, que vão aos limites dos seus limites e mais além, e que enchem as listas de inscritos, constituem a maior fatia da receita das inscrições, dão muita mais visibilidade e divulgação à prova e seus patrocinadores e contribuem para não ter havido um quarto para alugar em Portalegre, com os devidos benefícios para todo o comércio local.
A Isa irá depois fazer o relato da prova no seu blogue, apenas pretendi aqui relatar o que vi, a minha opinião pessoal, e salientar o que uma decisão, incorrecta e mal avaliada pesa no destruir de sonhos de quem tanto se esforçou e cujo final é irrecuperável.