Isa, Vítor, Marta, Orlando, eu, Jorge e João |
Há 40 anos atrás fiquei na cama.
Tinha-me levantado para ir para o liceu e a minha mãe disse-me que não havia aulas porque estava a decorrer um golpe de estado.
Voltei para a cama onde fiquei a mandriar até ao meio-dia, naquele gozo que se tem aos 14 anos por num dia de aulas estar na cama até tarde.
O pior foi quando depois do almoço quis vir para a rua, para as habituais voltas de bicicleta ou jogatanas de bola. A minha mãe não queria com medo da revolução que ainda não tinha atingido o ponto clímax. Eu argumentava que isso era em Lisboa e estávamos na Parede. Consegui levar a água ao meu moinho com a promessa de não sair de ao pé da porta. Promessa não cumprida, como se pode imaginar. Como é que ia andar de bicicleta só ao pé da porta?!?
Só mais para a noite comecei a perceber o que se passava. E nos dias seguintes a entender o significado do acto e de palavras que deveriam ser tão naturais como Liberdade.
E compreendi então alguns episódios do passado. O medo que se sentia. A vez quando o meu pai me falou pior. Estávamos em 1969 e iam realizar-se eleições (fantoches). Tínhamos vindo a Lisboa e estávamos a passear pelos passeios da Avenida da República. Num determinado prédio (ainda me recordo qual e hoje indiquei-o aos meus colegas de equipa), estava escrita na parede a palavra "Não". Ver uma palavra escrita numa parede e logo o Não, despertou-me a atenção e naturalmente perguntei "Porque é que está aqui este Não?". A resposta do meu pai foi um violento "Cala-te!", com um olhar fulminante como nunca lhe tinha visto nem tornei a rever. Não me atrevi a dizer mais nada nem a ter a mínima reacção. Não entendia porque é que fui ralhado daquela forma por uma mera pergunta, quando já tinha feito diabruras de fazer perder a paciência ao maior santo e o meu pai não tinha reagido como nessa altura. Ainda hoje recordo na perfeição esse momento. Momento que nos dias a seguir ao 25 de Abril entendi perfeitamente!
Tocante discurso de quem estava preso há 40 anos, apenas por pensar doutra forma |
Há 40 anos enterrou-se um clima de medo e terror. De pobreza limite e falta de oportunidades. De exploração, humilhação e desrespeito absolutos. E duma guerra estúpida e desnecessária. E aqui torno a recordar algumas conversas que ouvia em surdina entre os meus pais, preocupados por o seu filho estar a crescer e ter que ir para a guerra. Que seria o meu destino se não tivesse existido o dia que hoje faz 40 anos. E abro aqui um parêntesis para desmistificar um dos mais errados mitos sobre o coveiro Salazar. Há quem o elogie por alegadamente nos ter "salvo" da 2ª Guerra Mundial, quando o que nos salvou foi a nossa posição geográfica e o facto de Espanha ter atravessado a Guerra Civil. Portanto nenhum mérito desse senhor. Mas quem o elogia por esse falso acto, esquece-se de referir que foi o mesmo que nos enterrou em 3 guerras simultâneas, guerras perdidas à nascença e que mutilaram e mataram muitos jovens e dizimaram a economia nacional onde metade do orçamento ia para esse esforço de guerra, levando todo o nosso ouro.
Tudo isto foi vencido há 40 anos. Dia que fiquei na cama.
40 anos depois, não fiquei na cama, como não o tenho ficado nos últimos anos, pois é o dia de correr em Liberdade, festejando de igual forma a liberdade que também foi dada à corrida.
Das espingardas não saíram balas. O seu cano foi enfeitado por cravos, sinal de novos tempos |
E esta Corrida da Liberdade (Pontinha-Restauradores), é uma corrida diferente. É uma festa. Um salutar e fraternal convívio onde a corrida é o pretexto.
Uma vez mais, fizemo-la em grupo. Tive o prazer de acompanhar a Marta, Vítor, João Branco e Jorge Branco. Só faltou a Isa que, apesar de inscrita e presente, não pode correr. Daqui envio-lhe toda a força para recuperar bem rápido, como ao Orlando que se magoou nesta prova. Força!
A chegada com todos de mão dadas (foto enviada pela Ana Pereira) |
A chegada em grupo, todos de mãos dadas, é um símbolo nesta prova. Juntos, unidos pelo colectivo sem qualquer tipo de interesses egoístas, é o caminho se quisermos um futuro melhor.
A Avenida da Liberdade cheia de atletas a correrem livremente |
Nem imaginas a alegria que tive em correr com a vossa grande equipe!
ResponderExcluirMuito dificilmente este corredor solitário sai do "mato" para ir correr nas grandes avenidas mas está é uma daquelas provas "obrigatórias" em que se tem um prazer enorme em participar e este ano o prazer para mim foi a quadruplicar por 4 ao km :)
Obrigado pela companhia campeões e força Isa (o teu "abastecimento" no final estava excelente!).
Grande abraço.
E a alegria que eu senti de correr contigo?!?
ExcluirE tens toda a razão, aquele abastecimento no final era bem bom!
Um abraço!
Gostei bastante de ler. De imaginar o teu 25 de Abril de há 40 anos, não muito diferente do meu, apesar de ser um pouco mais nova. E em tudo o que dizes desse período, assino por baixo! Não é por não estarmos "bem" hoje (que não estamos), que vamos desvalorizar a revolução de Abril, como muitas vezes se vê por aí.... Nada se compara a esses tempos. E se eu muito pouco os vivi (tinha 5 anos) não me esqueço do que me contam, familiares e amigos mais velhos.
ResponderExcluirPor isso que Abril esteja sempre vivo!
A vossa prova, a ver pela chegada, foi muito bonita. Gesto solidário. Bonito! Em boa hora o Melro vos apanhou!
Um grande obrigado ao Melro!
ExcluirBeijinhos, Ana :)
Nunca antes tinha corrido neste dia.
ResponderExcluirCorri hoje e com a certeza digo que correrei hoje e sempre!
:)
Não duvido. E esta é para fazer sempre em si, unidos :)
ExcluirBeijinhos
O 25 de Abril é uma data que deverá ser lembrada sempre. E esta corrida é um óptimo pretexto para relembrar essa data histórica. Nada melhor do que a corrida para sentirmos o verdadeiro significado de liberdade!
ResponderExcluirInfelizmente e com muita pena minha este ano não pude correr mas agradeço todos os dias por o poder fazer regulamente.
Beijinhos
Não podias correr mas marcaste a tua presença :)
ExcluirBeijinhos e força. Eu acredito! :)
Muito bom artigo João!
ResponderExcluirO 25 de abril não pode nunca ser esquecido.
Gostei muito de ter feito a prova na companhia de amigos. Foi pena a Isa não ter participado.
Abraço
Para o ano tornamos a estar todos juntos e com a Isa e o ego bem levantado por onde estivemos duas semanas antes :)
ExcluirUm abraço
Excelente post João, muito bonito mesmo, não há palavras para descrever o jeito natural que tens para isto :)
ResponderExcluirUm abraço!
Muito obrigado pelas palavras :)
ExcluirUm abraço
Gostei muito deste texto, João!
ResponderExcluirParabéns pela prova e, já agora, por Paris!!!! :)
Beijinhos
Muito obrigado, Rute! :)
ExcluirBeijinhos
Grande "Poste", gostei muito. Eu no 25 de Abril tinha ano e meio e estava na Alemanha, com os meus pais, emigrados desde 1970 pq na nossa terra passavam fome e não tinham futuro...qualquer semelhança com os dias que correm é mera coincidência :(
ResponderExcluirAhhh....e eu perdi um tio numa dessas guerras longe de Portugal, o meu pai tb andou pelas colónias 3 anos a combater, e felizmente sobreviveu...caso contrário eu não estaria aqui a comentar...
Adorei a v/ foto de mãos dadas...
Abraço "malandrote" ;)
Obrigado Carlos
ExcluirUm abraço :)
Pela primeira vez tenho de admitir que a parte que menos me interessou foi o relato da prova... :)
ResponderExcluirEu não era sequer nascida, por isso o meu imaginário flutua com histórias destas. Obrigada João!
Beijinhos Anabela :)
ExcluirSe não fosse uma data e um motivo alegre ainda ficava com uma lagrima no canto do olho.
ResponderExcluirAbraço