(Para mudar um pouco o ambiente após o último artigo)
Todos nós temos "histórias" na nossa meninice e recordei-me desta ainda a propósito do desaparecimento do Eusébio, pois foi graças a querer imitá-lo que apanhei uma das quatro maiores tareias...
Passavam poucos dias após o épico jogo com a Coreia, o país estava eufórico com a nossa presença nas meias-finais, e o nome que se falava era Eusébio. Ora cada miúdo gosta de tentar imitar os ídolos e foi assim que o fiz... da pior maneira!
Em 1966 o leite e pão eram distribuídos em casa pela leiteira e pelo padeiro. Ora no leite, a leiteira fazia primeira paragem no primeiro andar, onde morávamos, pousava a enorme bilha cheia de leite e despejava a quantidade necessária para um utensílio que, se a memória não me falha, chamava-se exactamente de leiteira. Enquanto decorria essa operação, aparece o puto traquinas armado em bom (eu, como já devem ter percebido) e digo-lhe "Sou o Eusébio e vou dar um chuto na bilha!". Puxo do pé, finjo que vou atingir a bilha e... não meço bem a distância e acerto em cheio na bilha que cai, entornando todos aqueles litros pela escada abaixo! Glup! Ao ver aquela cena, pensei que o mundo me ia cair em cima e não me enganei! Levei tantas! Ainda por cima as escadas tinham uma abertura que dava cá para baixo para a entrada e aquilo devia parecer mais as cataratas do Niagara em versão "leital". Os meus pais tiveram que lhe pagar todo o leite (como eu só tinha 6 anos ainda não recebia semanada senão tinha ficado sem ela uns bons tempos), a desgraçada da leiteira só chorava que tinha ficado sem leite para os restantes clientes e eu berrava por outro lado pela tareia que levei...
Não me perguntem como é se lavou a escada pois nessa altura estava fechado no quarto, dorido, a carpir mágoas...
E pronto, acho que nunca mais tentei imitar o Eusébio...
Claro que a esta hora estão a questionar-se se esta foi uma das quatro grandes tareias, como terão sido as outras? Pois se esta foi a segunda do rol, a primeira devia ter uns 4 anos e é "edificante". Hora de almoço, por alguma razão qualquer, ou mais provavelmente sem razão, decidi que não queria comer a sopa. Diálogos:
Eu - Não quero a sopa
Mãe - Come a sopa
Eu - Não quero a sopa!
Mãe - COME A SOPA!
Eu - NÃO COMO!
Mãe - COMES E COMES MESMO!
Eu - NÃO COMO E NÃO COMO MESMO!
(atenção, cena eventualmente chocante) E acto imediato, pego no prato com as duas mãos e atiro-o com força para o chão!
O que eu levei!!! E claro que comi outra sopa...
(Para quem me acha muito paciente e incapaz de ataques de fúria, pois esgotei-os na meninice...)
A terceira, a minha mãe tinha pedido para não fazer barulho pois doí-lha muito a cabeça e ia-se deitar, tendo fechado as persianas. Persianas que davam para uma varanda que também tinha acesso pela cozinha e, sei lá porque me deu para fazer aquilo, fui para aí atirar a bola com toda a força contra as persianas, vezes seguidas. Sai lá de dentro a minha mãe com um sapato na mão, eu ainda disse uma desculpa esfarrapada de "a bola é que ia bater na persiana" (era pouco criativo...) e o resultado final... o habitual.
E para acabar, e se as duas anteriores foram de maldade, esta quarta foi como a do Eusébio, uma brincadeira que acabou muito mal.
Ia haver uma festa de anos, penso que da minha irmã, e uma rapariga chamada Isabel estava sentada na cozinha, a ajudar a fazer qualquer coisa. Vejo uma garrafa de óleo Fula, daquelas de litro e meio de plástico como as das garrafas de água, e como estava tapada, viro-a ao contrário, colocando-a sobre a cabeça da Isabel e digo "Vou despejar-te este óleo!". Claro que era só na brincadeira, até porque a garrafa estava fechada. Só que... a tampa não era como actualmente que é de enroscar, era de pressão. E soltou-se... despejando o litro de óleo pelo cabelo abaixo da pobre rapariga, para meu horror!
A desgraçada esteve 3 a 4 horas a lavar o cabelo para conseguir tirar todo o óleo e eu... já sabem!
E se não houve uma quinta vez é porque ninguém soube que pus Tomar sem luz durante 3 horas. Como já passaram quarenta e muitos anos, já posso confessar pois o "crime" já prescreveu.
Num sábado à tarde tinha visto na televisão rugby. Como achei os postes da baliza muito altos, logo idealizei ir para um descampado ali ao pé e tentar rematar a bola suficientemente alto que passasse por cima do fio da electricidade duma fila de postes que cruzavam esse descampado. Logo à primeira, acerto numa caixa de junção em forma de meia-bola branca que unia nos postes os fios, esta partiu-se e cai o fio, a faiscar, para o chão (por sorte não me atingiu...).
Pernas para que te quero que só parei em casa. Fiquei cheio de medo que alguém tivesse visto e, influenciado por filmes de "polícias e ladrões" como se dizia na altura, só imaginava que a polícia ia cercar ali a casa para me levar.
Passado um par de horas, recordo-me da minha mãe comentar o quanto estava a demorar esta falta de luz. E eu, muito sossegadinho no meu cantinho... Nunca ninguém soube!
E pronto, agora já sabem os "podres" da minha infância (ou melhor, sabem as piores...) e que me recordei a propósito do Eusébio e do chuto na bilha. E ainda dizem que não se deve chorar pelo leite derramado. Eu chorei e muito!